quarta-feira, 21 de março de 2018

A Rede Folkcom e o Centenário de Luiz Beltrão


A comunidade acadêmica das Ciências da Comunicação celebra em 2018 o centenário de nascimento de Luiz Beltrão, jornalista, professor e pioneiro nas pesquisas em Comunicação Social no Brasil. Beltrão nasceu na histórica cidade de Olinda no Estado de Pernambuco no dia 8 de agosto de 1918, mas não vou descrever aqui o vasto perfil do fundador da teoria da folkcomunicação porque dispensa apresentação.

Luiz Beltrão será homenageado numa das mesas temáticas na XIX Conferência Brasileira de Folkcomunicação – Folkcom 2018, que será realizada em Parintins-AM nos dias 25, 26 e 27 de junho no período do festival folclórico, da grande festa dos bois Garantido e Caprichoso, em plena floresta Amazônica. O Folkcom 2018, tem como objetivo reunir professores, pesquisadores, estudantes e o público interessado nos diferentes processos de transformações e de atualizações da comunicação nas culturas populares. Durante o evento científico em Parintins, serão realizadas diferentes mesas temáticas e oficinas que possibilitarão aos participantes refletir sobre o desenvolvimento dos estudos e das pesquisas no campo da folkcomunicação no contexto sociocultural brasileiro e latino-americano. Eu, como não poderia deixa de ser, estarei presente nos principais eventos científicos que celebram o centenário do mestre Beltrão: junho em Parintins no Folkcom, julho em Juazeiro da Bahia no INTERCOM/Nordeste e setembro em Joinville no Estado de Santa Catarina no 41º Congresso Brasileiro de Comunicação/INTERCOM.
  
Como conheci Luiz Beltrão  

Aproveitando as homenagens a Luiz Beltrão, não posso deixar passar em branco este momento para contar do pouco, mas importante tempo de convivência pessoal, recebendo alguns aconselhamentos para os avanços teóricos e práticos nos estudos e pesquisas da folkcomunicação, além da aproximação com a sua vasta referência bibliográfica.  
Foi através do professor Roberto Benjamim, em 1974, quando era seu aluno na graduação de jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco e assistente nas pesquisas em comunicação e cultura popular, que conheci Luiz Beltrão. Até aí não conhecia a folkcomunicação, mas já tinha feito uma breve incursão no campo da comunicação e do folclore depois de ter lido os textos publicados na revista Comunicação & Problemas. O primeiro, de Luiz Beltrão “O Ex-Voto Como Veículo Jornalístico” que é sem dúvida um dos textos fundadores da teoria da folkcomunicação e o segundo, de Luís da Câmara Cascudo “Carta Sobre o Ex-voto”. O artigo de Cascudo foi um endosso importante para que Luiz Beltrão aprofundasse as bases da folkcomunicação, demostrando seu interesse e entusiasmo com as ideias de Beltrão sobre a comunicação e a cultura popular, enxergando uma nova frente de estudos e de pesquisas no campo da comunicação, aqui no Brasil. E quem se interessa pela folkcomunicação sabe perfeitamente que esses artigos foram fundamentais para o desenvolvimento da teoria fundada por Luiz Beltrão. Os textos recomendados por Roberto Benjamim abriram novos horizontes e não tive dúvida que algo de novo emergia no campo da pesquisa em comunicação e na cultura popular.  

Os estudos e as pesquisas que estávamos desenvolvendo na segunda metade dos anos de 1970 e início dos anos de 1980 tinham como objetivo compreender o impacto da cultura de massa na cultura popular e no folclore e, principalmente, nos conteúdos da televisão que chegavam aos mais longínquos recantos do Nordeste brasileiro. Havia uma grande preocupação, nos meios acadêmicos e nos meios dos folcloristas, com o provável desaparecimento das culturas tradicionais e do folclore provocado pelas invasões dos novos consumos e novos costumes veiculados pela televisão e principalmente pelas novelas.
  
A cultura de massa e a indústria cultural eram sinônimos de culturas alienantes e devastadoras das culturas regionais e locais e, como não poderia deixar de ser, eu também fazia parte do time que acreditava que com os avanços da cultura de massa e da indústria cultural, seria o fim das nossas culturas tradicionais e do folclore o que provocaria o seu “extermínio”. Mas, com os ensinamentos e os aprendizados de Roberto Benjamim e com os contatos com Luiz Beltrão passei a ver que nem tudo estava perdido.

Foi nesses encontros que tomei outros rumos, outras observações para compreender que as tradições culturais populares e o folclore, nos diferentes períodos da história, passaram e continuam passando por importantes ressignificações operadas pelos seus agentes (inter)mediadores, capazes de modificarem os conteúdos da cultura de massa e que as culturas regionais e locais não eram apenas sobreviventes a tudo isso, até porque há uma diversidade de manifestações tradicionais vinculadas a religiões, a festas, aos trabalhos e à economia local. Portando, foi estudando e pesquisando a folkcomunicação que comecei a enxergar que não existia uma única tradição, mas diferentes manifestações culturais tradicionais, passadas de geração a geração e com suas diversidades de expressões passei a compreender, a interpretar as ressignificações das culturas populares e do folclore e os processos de atualizações no contexto da cultura de massa.

Com a orientação de professor Roberto Benjamim, caímos em campo percorrendo cidades, vilarejos e áreas rurais dos estados de Pernambuco e Paraíba, os dois territórios das nossas pesquisas e aqui e ali uma invasão em territórios do Rio Grande do Norte.

Nesse período desenvolvíamos duas frentes de observações e de recolhimento de dados de bens culturais materiais e imateriais. Uma frente sobre as festas religiosas e profanas com foco nas festas do Ciclo de Nossa Senhora do Rosário e nas festas do Ciclo do Carnaval, a outra frente nos locais de peregrinações populares e suas respectivas casas de milagres onde são deixados os ex-votos. Foi uma experiência magnifica para um jovem iniciante. Posteriormente, esse material deu origem a uma série de publicações, inclusive a minha dissertação de mestrado e a tese de doutorado[1].

Não foram tempos fáceis para levantar alguns questionamentos contrários às tendências teóricas predominantes no meio acadêmico. Melhor dizendo, as culturas tradicionais não desapareceriam com a invasão da cultura de massa e com a indústria cultural, até porque os agentes populares não eram consumidores passivos dos bens culturais veiculados, principalmente, pela televisão como apregoava o núcleo duro dos seguidores da teoria da Escola Frankfurt. Nós, seguidores da folkcomunicação, ficamos entre a cruz e a espada, de um lado o patrulhamento ideológico dos frankfurtianos que nos rotulava de funcionalistas e de outro pelos folcloristas conservadores que não aceitavam os processos de atualização das manifestações culturais tradicionais em tempo de grandes mudanças sociais e tecnológicas.

Foi um período de recuos, de avanços, mas também de novas conquistas no campo de estudo e pesquisa da folkcomunicação[2]. Não era fácil romper os paradigmas reinantes nos anos de 1980, quando defendi a minha dissertação de mestrado e não concordava com a recepção passiva da audiência aos conteúdos da comunicação de massa. Defendi a minha dissertação sem ter acesso a obras de pesquisadores como Jésus Martín-Barbero, Guillerme Orozco, Jorge Gonzáles, Néstor Garcia Canclini, entre outros. Mas comungava com o pensamento de Luiz Beltrão, que já naquela época percebia e chamava atenção para a existência de uma ampla rede de comunicação cotidiana, pela qual os grupos populares operam as suas interações (inter)mediadas, quase sempre por negociações do sistema de folkcomunicação. No meu doutorado, com a orientação do professor Antônio Fausto Neto, a “coisa” já era muito diferente e os caminhos foram abertos para o desenvolvimento da pesquisa teórica e empírica com base nos autores que citei e na folkcomunicação. Os tempos eram outros e não mais existia o patrulhamento dos que acreditavam na passividade dos constituintes das audiências na recepção, principalmente dos programas televisivos.
 
O legado de Luiz Beltrão na Paraíba

Em 1976, já como professor da Universidade Federal da Paraíba/UFPB encaminhei à Pró-reitora para Assuntos Comunitários/PRAC e à Coordenação de Extensão/COEX um projeto para promover o I Encontro de Folclore da Paraíba, que foi aceito imediatamente e o evento se realizou com grande repercussão e muitos desafios para época em que vivíamos. Durante o encontro reunimos importantes estudiosos e pesquisadores da comunicação e da cultura popular e, atendendo ao nosso convite, Luiz Beltrão foi um dos conferencistas.

O I Encontro de Folclore da Paraíba, aconteceu em outubro de 1976 na cidade de Pombal durante o período da Festa de Nossa Senhora do Rosário que é tradicionalmente celebrada no primeiro domingo do mês.

Pombal está localizada no semiárido paraibano cerca de 380 quilômetros de João Pessoa e, com os nossos convidados, viajamos de carro por mais de cinco horas eu, Roberto Benjamim, Bráulio Nascimento (a época diretor da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro), Altimar Pimentel (professor da UFPB), e Luiz Beltrão. Foi uma viagem inesquecível do litoral ao sertão trocando informações sobre comunicação e folclore. Nos dias que ficamos na cidade de Pombal, realizamos vários encontros paralelos à programação oficial do evento, inclusive com coparticipação do então Pró-reitor da PRAC professor Iveraldo Lucena, e nesses encontros surgiram as primeiras ideias para a criação do curso de comunicação social e de um setor para pesquisar e documentar a cultura popular e o folclore na Paraíba. 


A conferência de Luiz Beltrão sobre O Folclore como sistema de comunicação popular[3] foi sem dúvida a grande novidade do encontro de folclore e estimulou ainda mais o propósito da criação do Curso de Comunicação Social. Pouco tempo depois do encontro em Pombal, reencontrei Luiz Beltrão no II Encontro Cultural de Laranjeiras, realizado em janeiro de 1977 na histórica cidade sergipana, onde, mais uma vez , fez a conferência sobre O Folclore como Discurso[4], uma abordagem sobre a semiologia e folclore, que foi mais um estímulo às minhas pretensões de estudar a comunicação e o folclore num período que a cultura de massa e a televisão se consolidavam como indústria cultural dos entretenimentos  e do turismo no Brasil.
Os professores Luiz Beltrão e Roberto Benjamim tiveram participações importantes na elaboração e implantação da Divisão de Estudos do Folclore e da Comunicação criada logo em seguida ao I Encontro de Folclore e que depois veio dar origem ao Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura Popular – NUPPO. Fui pesquisador e coordenador dos dois setores por alguns anos e com toda a equipe realizamos seminários, congressos, pesquisas, exposições, cursos, oficinas e tantos outros eventos técnicos científicos promovidos pela PRAC/COEX/UFPB.
Em maio de 1977 coordenei, como chefe da Divisão de Folkcomunicação/COEX/UFPB, a primeira exposição de ex-votos na UFPB. Em julho de 1979, já como Coordenador do Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura Popular/NUPPO/COEX/UFPB, realizamos o simpósio: Os diversos aspectos do ex-voto do qual participei como um dos expositores com a conferência: O Ex-voto como veículo de comunicação popular, com referências fundamentadas nos artigos de Luiz Beltrão e Câmara Cascudo[5].


Luiz Beltrão, sempre teve uma forte ligação com a Paraíba, nos anos de 1950 como militante da Associação de Impressa e do Sindicato dos Jornalistas em Pernambuco colaborou na estruturação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais da Paraíba. Como professor participou ativamente da elaboração e criação do primeiro Curso de Jornalismo em João Pessoa que funcionou de 1957 a 1964, no Instituto Nossa Senhora de Lourdes. Portanto, conhecia bem a importância de um curso de Comunicação Social na Universidade Federal da Paraíba/UFPB.



Fui membro da comissão que criou o Curso de Comunicação Social da qual faziam parte, entre outros professores, os ex-alunos de Luiz Beltrão: Arael Menezes da Costa, no curso de Jornalismo da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes em João Pessoa e Altimar Pimentel, no Curso de Comunicação Social do Centro Unificado de Brasília/ CEUB.
Luiz Beltrão e Roberto Benjamim eram constantemente consultados na elaboração do currículo básico, inclusive na ementa e conteúdo da disciplina Folkcomunicação da qual fui o primeiro professor. O curso foi criado em 1977 e reconhecido pelo Conselho Federal de Educação em 1979.

Em novembro de 2006 o Departamento de Comunicação e Turismo da Universidade Federal da Paraíba e o Programa de Pós-Graduação em Comunicação/PPGC/UFPB, realizaram um seminário de caráter científico e cultural sobre O Pensamento Comunicacional de Luiz Beltrão no Ensino da Comunicação no Brasil: a presença de Luiz Beltrão na Paraíba[6]

O seminário teve como objetivo celebrar a presença do professor e pesquisador pernambucano na Paraíba. O evento aconteceu 30 anos depois da realização do I Encontro de Folclore da Paraíba. 


Portanto, o pouco mas importante tempo de contato pessoal com Luiz Beltrão chega ao seu final quando, em 1980, o visitei em sua residência em Brasília e, recebido por ele e por sua esposa dona Zita Beltrão de Andrade Lima, no final do nosso encontro ganhei do mestre da folkcomunicação o seu livro Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados, com a seguinte dedicatória: Ao Osvaldo Meira Trigueiro, pesquisador da sabedoria do povo com a estima de Luiz Beltrão. Brasília, 1980.


E assim foi a minha convivência pessoal com Luiz Beltrão, experiência que continua viva com as lembranças e com suas obras referenciais em ciências da comunicação.





[1] A dissertação de mestrado orientada por Roberto Benjamim: A audiência da TV Globo em duas comunidades rurais da Paraíba, defendida em 1987 na Universidade Federal Rural de Pernambuco/UFRPE. A tese de doutorado orientada por Antônio Fausto Neto: Quando a televisão vira outra coisa, defendida em 2004 na Universidade do Vale do Rio dos Sinos/UNISINOS.
[2] Leia o prefácio de José Marques de Melo do livro, Osvaldo Meira Trigueiro. Folkcomunicação & ativismo midiático. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008.
[3] Ver a publicação: Documento NUPPO/UFPB - ano 1, n. 1 - João Pessoa, 1979
[4] Ver Anais comemorativos dos 20 Anos do Encontro Cultural de Laranjeiras – Aracaju – Governo do Estado/SE.
[5] Ver a publicação: Documento NUPPO/UFPB - ano 1, n. 2 - João Pessoa, 1979.
[6] Ver artigo de Trigueiro, Osvaldo Meira, In: Luiz Beltrão: pioneiro das ciências da comunicação no Brasil/José Marques de Melo, Osvaldo Meira Trigueiro, organizadores. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB; INTERCOM, 2008. P. 171-1776.

quinta-feira, 1 de março de 2018

Brasileiro na etapa final do Festival da Canção Portuguesa

O cantor e compositor brasileiro Pierre Aderne está na etapa final do Festival da Canção Portuguesa um dos mais importantes da Europa.  É a primeira vez que um cantor e compositor brasileiro chega à final desse importante festival promovido pela Rádio e Televisão Portuguesa – RTP1, que é transmitido ao vivo para várias partes do mundo e especialmente para os países de língua portuguesa. Pierre, que é filho de português e da brasileira Laís Aderne, ex-professora do Departamento de Artes da Universidade Federal da Paraíba, passou boa parte da sua adolescência aqui em João Pessoa. Com a sua mãe foi morar em Brasília, depois no Rio de Janeiro onde consolidou a sua carreira como cantor e compositor e desde 2011 mora em Lisboa. Pierre, é um cidadão do mundo nasceu em Toulouse na França quando seus pais, professores universitários, faziam cursos de especialização. Também tem a cidadania portuguesa, mas continua com um pé aqui no Nordeste e fincado nos torrões paraibanos. Por onde passa faz questão de lembrar a influência da cultura nordestina na sua formação musical e sempre destaca a importância de Luiz Gonzaga, Dominguinhos e Jackson do Pandeiro.  

 Com “Bandeira Azul” música de Tito Paris, importante cantor e compositor cabo-verdiano e letra de Pierre Aderne eles chegam ao segundo lugar numa semifinal da etapa do festival e agora aguardam a etapa final que será no dia quatro de março na cidade histórica de Guimarães, Portugal.
Pierre, define “Bandeira Azul” como uma celebração: é a vitória da música cantada em português, uma alegria para todos os países que falam a língua portuguesa”. A letra narra uma história de amor, de um povo separado pelas águas do Atlântico, mas ao mesmo tempo muito próximo pela língua que une culturalmente. A letra de Pierre Aderne é uma convocação para uma reflexão nesses tempos de muita intolerância e violência que se espalham pelo mundo.

Só para estar perto de ti viajei
Tantas noites madrugadas esperei
do teu lado encontrei meu pais
onde a bandeira é o amor
e a língua, ser feliz
nas manhãs vive a certeza desse amor
no verão tu és a brisa, dezembro calor
quando ganho teu abraço sou fortaleza
minha rua ganha estrelas
minha vida, beleza

Bandeira Azul, interpretada pela cantora portuguesa Maria Inês Paris, filha de um cabo-verdiano e de uma portuguesa, toca nossos corações sem a apelação aos sentimentos exagerados, mas que culturalmente aproxima pessoas que falam a mesma língua.  “Bandeira Azul” tem grandes chances de chegar ao primeiro lugar do Festival da Canção Portuguesa e disputar o Eurovisão, considerado o maior festival da canção do mundo, que este ano se realiza em Portugal, pela primeira vez. Aqui estamos torcendo para "BandeiraAzul", de Tito Paris com parceria de Pierre Aderne e interpretação de Maria Inês Paris.